sábado, junho 20

Agarrem aquela mãe



A sério que eu não costumo ser uma pessoa violenta. Sobretudo na estrada. Não sou daquelas pessoas que se irrita com o próximo porque esse próximo geralmente sou eu: a naba. Então desde que nasceu o minúsculo que são uns calores para mudar de faixa, uns calafrios para entrar na auto-estrada ou em qualquer 2ª circular desta cidade, prefiro ir ali sossegadinha na faixa da direita, sem incomodar ninguém, a deixar passar os que entram, faço sempre pisca, olho sempre por cima do ombro para evitar esse mortífero ângulo morto... Quando algum lá fica doente comigo pela quantidade de carros que deixo passar antes de me aventurar a entrar nalguma via rápida ou em qualquer outra situação em que as pessoas são geralmente demasiado afoitas para o meu gosto, e as vejo a barafustarem, peço muitas desculpas e aponto para o ovo do bebé à procura de misericórdia. Nem sempre a consigo é certo, mas adiante.

Ia eu a dizer que não sou violenta na estrada, mas isso não é completamente exato. Se passei a ser uma condutora muito mais cautelosa, passei também a ser um peão muito mais exigente. Já não basta o estado execrável dos passeios, mas sobre esses não posso insultar ninguém diretamente, só posso rabujar, votar melhor para a próxima, e tornar-me uma espécie de atleta de alta competição de trail urbano, seja lá o que isso for. Mas com os energúmenos dos condutores, que não conseguem mostrar um chavelho de respeito pelas pessoas que se lhe apresentam a pé na rua, com esses sim posso soltar toda a raiva temporária que há em mim.

Assim, quando me virem na rua a levantar muito os braços e a agitá-los freneticamente, enquanto ponho dois dedos nos olhos - "não me está a ver?" - e outro na testa - "você é louco?!!!" -, enquanto abano a cabeça com um ar de reprovação do tamanho do mundo, poderá dever-se à minha fúria com a forma de conduzir de alguns cocós com pernas que por aí andam . É que há camiões e veículos de toda a espécie que se dão ao luxo de nos contornar na passadeira, e eu até sou bastante rápida, ou que fingem não nos ver na borda do passeio a tentar atravessar. Mas o mais comum é mesmo estacionarem praticamente em cima da passagem de peões, obrigando-me a ir quase para o meio da estrada, para saber se posso atravessar (tal é a regularidade desta situação em Lisboa que me pergunto se o usucapião não alterou o código da estrada). Aqueles que estacionam em cima do passeio mesmo enquanto estamos a passar também têm direito a brinde da minha parte .

Sei que envergonho muitas vezes quem vai comigo, mas tudo isto é tão frequente que dou por mim a fazer este papel de louca varrida como se estivesse a defender todas as pessoas com as mesmas dificuldades que eu, quer tenham um carrinho de bebé, uma cadeira de rodas, umas muletas, uma bengala, o que seja. Agarrem-me que eu vou-me a eles.

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